Cinco

Até o descobrimento da Austrália, em agosto de 1770, de acordo com a visão eurocentrista, as pessoas do velho mundo acreditavam que todos cisnes eram brancos, bastou o contato com um cisne negro na Austrália para todo sistema de crença cair. O escritor Nassin Nicholas Taleb transportou essa questão lógico-filosófica para a realidade, e a denominou de evento “cisne negro”, que basicamente é um evento que impacta definitivamente a vida de todos, de forma coletiva ou individual.

Um evento cisne negro é composto por três atributos: primeiro, ele é um outilier, já que está fora do âmbito comum; segundo, o evento exerce um impacto extremo; terceiro, apesar de ser outlier, a mente humana faz com que explicações racionais surjam para dar explicações ao evento.

Um evento cisne negro pode ser causado, como exemplo, a criação do iPhone – sim eu sei, podem ter criado algo parecido um pouco antes, mas não como o iPhone – e o evento pode ser inesperado, como é o caso de uma pandemia, o coronavírus.

O mais incrível desta história toda é que mesmo com toda massa de dados, toda tecnologia, não foi possível prever nenhum dos dois eventos citados na hora certa. Observe como age um outilier, em 2007 nenhum especialista do ramo das telecomunicações apontaria a Apple como a empresa que mudaria completamente o mercado, por certo, elegeriam a Nokia, Samsung, Sony, Ericsson, Motorola, LG entre outros.

“Interpretamos o mundo de forma errada e dizemos
que ele nos engana”

Rabindranath Tagore, Pássaros errante

Quando se está dentro da máquina, não se percebe como o mecanismo funciona, sabemos que o mundo não será mais o mesmo, seja nas relações profissionais, nas relações pessoais ou nos costumes. Mas não sabemos o quão diferente será, e para alguns, a sensação é de que não mudará nada.

“A teoria da aleatoriedade é fundamentalmente uma
codificação do bom senso. Mas também é uma área de
sutilezas, uma área em que grandes especialistas
cometeram equívocos famosos e apostadores
experientes acertaram de maneira infame.”
 

Leonard Mlodinow, O andar do bêbado – Como o acaso determina nossas vidas

O nosso cérebro age de três formas ante a fatos que somos submetidos: primeiro, a ilusão da compreensão, ou seja, achamos que compreendemos o que está acontecendo; segundo, a distorção da retrospectiva, ou seja, com base em determinada experiência, achamos que podemos organizar e criar uma nova realidade; e finalmente, a supervalorização da informação adquirida, o seja, o que adquirimos de informação vale para criar um novo padrão.

E assim, muitos, por tentarem criar um padrão, acabam com desempenho pior do que uma cobaia, já que a capacidade de fazer avaliações e de tomar decisões certeiras diante a eventos cisne negro requer uma habilidade diferenciada, a intuição.

“Todos começamos com o ‘realismo ingênuo’, isto é, a
doutrina de que as coisas são aquilo que parecem ser.
Achamos que a grama é verde, que as pedras são duras
e que a neve é fria. Mas a física nos assegura que o
verdejar da grama, a dureza das pedras e a frieza da
neve não são o verdejar da grama, a dureza das pedras
e a frieza da neve que conhecemos em nossa
experiência própria, e sim algo muito diferente.”

Bertrand Russsell

Outro fator a ser compreendido é que não podemos distinguir entre o desejo e a realidade no nosso cérebro, não falo de fantasia, e sim de um desejo real, profundo e sem conflitos, que pode criar a realidade. Imagine se Steve Jobs tivesse abandonado as suas ideias ao perder a Apple para John Sculley? Disso vem: Por quanto tempo o evento cisne negro, pessoal ou não, pode atuar e como reagimos? Com relação ao tempo nada se pode afirmar, já com relação ao comportamento, faço analogia com os estudos de Elisabeth Kübler-Ross, uma psiquiatra suíça, pioneira nos estudos sobre a morte e os momentos finais, principalmente em seu livro “Sobre a Morte e o Morrer”, escrito em 1969:

Fase 1, a negação “Não, comigo não, isso não é verdade”. É comum nesta fase, acreditarmos que o exame de sangue foi trocado, ou, que é importante consultar uma segunda opinião. Em se tratando de uma empresa, é possível que surjam dúvidas sobre o mercado, “o produto era perfeito, mas, lançamos na hora errada”. Um empregado pode pensar, “Eu era o melhor colaborador, não é possível, como eles farão sem mim?”.

Fase 2, a raiva “Pois é, aconteceu comigo”. É nesse momento que vem o sentimento de raiva, de revolta e ressentimento, na sequência surge a pergunta lógica: “Mas por que aconteceu comigo?” Nessa hora ninguém presta, o médico não sabe medicar, o chefe é um incompetente que não soube explorar todo meu potencial, ou, essa turma não sabe fazer nada, etc. Geralmente os familiares, ou, enfermeiros são alvo constante da raiva.

Fase 3, a barganha “Meu Pai, se for possível, afasta de mim esse cálice; contudo, não seja como eu quero, mas sim como tu queres”, Mateus 26:39. Essa é a terceira fase, e é menos conhecida, talvez por ser ela muito íntima. Buscamos por algo maior, por uma força que possa nos salvar, empresas investem massivamente o pouco que têm em marketing e propaganda, promessas são feitas aos colaboradores, o marido promete melhorar ante a ameaça da esposa que pede a separação, o moribundo faz promessa de caminhar até determinada localidade por toda vida em troca da salvação.

Fase 4, a depressão “O silêncio e a introspecção”. Quando não há como negar a fase terminal, todos os outros sentimentos darão lugar a um sentimento de grande perda, de que muita coisa vai ficar para trás. “Com quem vai ficar meu filho?”, “O que vou fazer com os débitos da empresa?”, “Como vai ficar a fatura do cartão?”

Fase 5, a aceitação  “Do que adianta?”. Quem não sofreu o impacto súbito ou inesperado atingirá um estágio que não haverá raiva nem depressão, estará tão cansado e fraco que nada mais importará. Não se trata de um desânimo resignado ou sem esperança, é a certeza que não dá mais, sem qualquer expressão, não se pode confundir com desapego ou felicidade.

A esperança, Chego ao término deste artigo exausto, já que vivenciei mentalmente tudo que escrevi, a nossa mente age assim. Lembrei do meu pai, da minha mãe, ambos falecidos, revivi cada fase e atesto, como afirmam os especialistas, que a esperança está presente em todos momentos. Após a libertação de Auschwitz, foi encontrado na parede de um dormitório o texto que compartilho e acredito ser a expressão máxima da esperança:

“Amanhã fico triste, Amanhã.
Hoje não. Hoje fico alegre,
E todos os dias, Por mais amargos que sejam, 
Eu digo:Amanhã fico triste, Hoje não.
Para hoje e todos os outros dias!”    

Autor desconhecido

Ralph Rangel é especialista em tecnologia e educação, foi Superintendente na Secretaria de Educação, Cultura e Esporte do Estado de Goiás
Esse artigo foi escrito ao som de All I Want, de Sarah Blasko.

Publicado originalmente no Jornal A Redação, link https://aredacao.com.br/artigos/132360/cinco